Tem-se falado muito da importância da competência em relacionamento interpessoal na organização para a liderança ética, motivadora, eficaz e sobre equipes sinérgicas. Tudo isso para melhorar os resultados da organização e torná-la mais competitiva.
O discurso parece lógico e geralmente vem alicerçado por inúmeros argumentos aparentemente irrefutáveis. Portanto, a expectativa seria de que os livros editados na área, os treinamentos, as discussões acaloradas em congressos, os seminários e inúmeras outras ações nesse sentido seriam elementos provocadores de mudanças culturais e sociais significativas. Mas, isso não é o que se vê na prática da maioria das organizações. Há poucos dias, eu conversava sobre manter a boas relações no trabalho e alguém perguntou: “o que ocorre com os relacionamentos organizacionais, que pouco evoluem para serem saudáveis e maduros?” Essa pergunta gerou algumas reflexões as quais quero partilhar com você.
Das empresas que não respeitam as leis básicas da responsabilidade social no seu ambiente interno, boa parte continua muito lucrativa e entre as melhores do setor que representa. Por que os executivos e líderes dessas empresas se esforçariam para mudar comportamentos, se os resultados finais estão bons? Nada conscientiza e provoca mais mudanças do que a experiência, isto é, a prática não assusta, portanto, não gera reflexão ou alarme. Pode ser que os mais atentos, aqui ou ali, percebam sinais de que esta falta de atenção para com os relacionamentos indique riscos futuros, mas “o time está ganhando”, e embora isso não seja sinal de que continuará nesse sentido, o ditado que afirma que “em time que está ganhando não se mexe” ainda é uma crença profundamente enraizada nas mentes empresariais.
Outra questão relevante é levantada pela Dra. Betania Tanure, no seu livro Estratégia e Gestão Empresarial, quando afirma que os mais altos líderes das organizações não têm o devido senso de urgência da necessidade de mudar estas relações, por isso não estão convictos e apaixonados pelas mudanças.
Então, não podem liderá-las em suas organizações. Neste contexto de resultados aparentemente razoáveis, ela explica que o baixo desempenho da empresa acaba se tornando satisfatório, mesmo que tantos estudiosos afirmem que os resultados poderiam melhorar muito, se certas mudanças ocorressem.
Outro fator importante nesta análise é a forte tendência cultural ao imediatismo em que vivemos. A maioria das pessoas parece entender o conceito de visão sistêmica como a “capacidade de ver a floresta, além das árvores”, ou seja, as conexões atuais do sistema. Mas, esta percepção é apenas parte do conceito. Outro aspecto fundamental é a capacidade de perceber esta complexidade também no tempo, por meio da análise de causas, ações atuais e suas consequências para um futuro próximo e distante. Analisando os relacionamentos na empresa sob o prisma do imediatismo, geralmente se esquece de observar o caminho evolutivo percorrido. Dessa forma, não há porque se preocupar. Porém, um olhar mais sistêmico notará que a evolução da percepção que o indivíduo tem do seu próprio poder e do seu grupo e suas decorrentes exigências vêm crescendo em progressão geométrica.
Vale a pena fazer um passeio histórico e lembrar as mudanças ocorridas nas várias camadas sociais no último século, como o surgimento dos sindicatos, as greves, as nações que se tornaram independentes, as mudanças no universo feminino, as ações crescentes dos consumidores, ou, como informou o jornal Folha de São Paulo de 02/07/2006, referindo-se à Cia. Chubb de Seguros. Segundo a matéria, nos seis primeiros meses em relação ao mesmo período de 2005, houve um aumento de 21% sobre as indenizações por assédio moral dos executivos.
Uma outra situação que corrobora a dificuldade de melhorar os relacionamentos interpessoais é o fato de que isso depende de autoconhecimento e autogerenciamento, ou do que Peter Senge chamou, há pelo menos 16 anos, de Domínio Pessoal, como sendo a disciplina do crescimento e aprendizado pessoais para criar os resultados desejados na vida. Quantos líderes e executivos estão ocupados em desenvolver esta competência? Quantos têm noção clara de seus modelos mentais e conseguem mudá-los, quando importante? Quantos, diante de realidades estressantes, se mostram mais criativos do que reativos?
Outra questão é que, sem dúvida, mudar dá trabalho. Quem já se propôs a mudar hábitos notou que há inimigos ocultos e fortes, quase imbatíveis. O dia-a-dia pleno de demandas urgentes e exigências de resultados, as forças inconscientes, com condicionamentos anteriores, ávidos por lhe protegerem contra riscos e quem sabe de outros fantasmas… Tudo isso parece atuar, às vezes, com muito mais convicção do que possui aquele que se esforça para alcançar novos níveis de autodesenvolvimento. E, quando alguém mal percebe, já se passaram mais alguns meses ou anos, sem que nenhuma mudança tenha acontecido. Propósitos são facilmente esquecidos; a conscientização se esvai como a areia corre com o vento; não se sabe por que, tudo continua como antes. É bom esclarecer que mudar exige planejamento, administração do tempo e de outros recursos, ações que reforcem a intenção continuamente e um nível de atenção maior, muito mais constante do que as pessoas costumam usar para as tarefas habituais.
Nesta análise, algo me parece da maior importância: os que se sentem lesados nos relacionamentos organizacionais devem se conscientizar de que eles próprios são coniventes, ou seja, contribuem ativamente ou por omissão, para este processo. No nosso contexto cultural, boa parte das pessoas ainda não “exige” ser bem tratada, com igualdade, justiça, respeito e qualidade de atenção adequada. Muitas pessoas justificam e ainda acham “normal” ser destratadas ou desqualificadas por um chefe, um colega, pelas instituições, ou receberem um nível de atenção irrisório e continuar fazendo a sua parte, ou seja, se esforçando para gerar os melhores resultados para a empresa.
Estas pessoas não percebem que esta base de comportamento, de uma parte e da outra, gera um “contrato de relacionamento”. Conseqüentemente, a evolução desta relação, diante do estresse ou de situações mais críticas, leva a mais hostilidade e desqualificação. Assim se constroem relacionamentos disfuncionais, com a participação dos dois lados.
E, como se não bastassem estas causas, na nossa cultura infelizmente ainda existe o hábito de, primeiramente sofrer a perda, para depois pensar na prevenção.
Não pretendo, com estas reflexões, esgotar os motivos de não se dar a devida importância à construção de mais relações saudáveis no trabalho. Contudo, acredito que vale a pena esforçar-se para compreender este tema em maior profundidade, porque é um desejo de muitos e um direito que pode ser conquistado por todos os que compreendem realmente os inúmeros benefícios que trazem à organização como um todo. Além disso, mantenho a esperança de que as organizações e seus profissionais despertem logo deste “subdesempenho satisfatório” para a excelência.
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